quarta-feira, 6 de abril de 2011

Poesia de Millor Fernandes

Poesia Matemática
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a, do Ápice à Base,
uma Figura Ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
uma vida
paralela a dela
até que se encontraram
no Infinito.
"Quem és tu?" indagou ele
com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- o que, em aritmética, corresponde
a alma irmãs -
primos-entre-si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas senoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas
euclideanas
e os exegetas do Universo Finito,
romperam convenções newtonianas
e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
constituir um lar.
Mais que um lar.
Uma Perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas
para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral
e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
o Máximo Divisor Comum,
freqüentador de Círculos Concêntricos e
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma Grandeza Absoluta,
e reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais Um Todo.
Uma Unidade. Era o Triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a
relatividade.
e tudo que era expúrio passou a ser
moralidade;
Como aliás, em qualquer
sociedade.


           Millôr Fernandes
(Em: "Trinta anos de mim mesmo")


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